sábado, janeiro 07, 2006

Discriminação de natureza étnica

O grupo étnico cigano português vive uma situação multissecular de discriminação étnica constantemente perpetuada pelo Estado, que tem funcionado, segundo Pereira Bastos (2003), como “agressor histórico, abusando da sua posição de supremacia para impor de forma contumaz medidas claramente desproporcionadas, abusivas e fortemente lesivas dos ciganos portugueses as quais conduziram à situação em que estes se encontram actualmente, bem conhecida dos ciganos e de todos os que mais de perto convivem com eles”.
A presença deste grupo étnico em Portugal foi assinalada em 1521, quando Gil Vicente fez representar a “Farsa das Ciganas”, em Évora, perante a corte de D. Manuel I. Nesta peça é feita uma boa caracterização social deste grupo, o que demonstra que nesta data já era bem conhecido.
Segundo Mendes (2005), “nas cortes de 1525, pedia-se ao Rei providências contra os ciganos”. Este grupo de gente nómada, que se deslocava em ranchos de dimensões variáveis, foi alvo, desde de muito cedo, da desconfiança, por parte da sociedade maioritária. Impunham-se pela diferença da sua língua, que era desconhecida, vestiam-se de modo diferente e exótico e apresentavam comportamentos específicos.
Rapidamente são emanadas leis, que se pronunciavam no sentido da “exclusão e concomitantemente da reclusão forçada por parte da sociedade envolvente” (Mendes, 2005). No entanto, e apesar da grande frequência dos textos legislativos em relação aos ciganos, as dificuldades inerentes à aplicação das leis, fez com que estas caíssem no vazio.
Até ao final da monarquia, em 1910, a sua situação, em Portugal, “foi marcada por constantes tentativas de erradicação total ou parcial dos ciganos nómadas, bem como de sedentarização e de integração cultural compulsiva, as quais se mostraram quase completamente ineficazes” (Pereira Bastos, 2003).
Verifica-se assim, que ao longo dos séculos, a imagem que fica deste grupo é uma imagem negativa e estereotipada, que se difundiu ao longo dos séculos, baseando-se num enorme desconhecimento da realidade cigana, gerando preconceitos discriminatórios. Assim, os ciganos apresentam-se à luz da sociedade maioritária como delinquentes, mendigos ou traficantes de droga.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

A escolarização da criança cigana

A instituição escolar, tal como a conhecemos, desenvolve relações de conflitualidade e não de empatia com as crianças ciganas, que são muitas vezes consideradas como intrusas e incompreendidas na sua diferença.
A escolarização das crianças não tem assumido qualquer importância para os ciganos. No contexto educativo de uma criança não-cigana, ao longo do seu percursos escolar, desde o jardim de infância até à universidade, apercebemo-nos que a instituição escolar substitui a educação familiar em diferentes aspectos, como o afectivo, o psicológico, de segurança, etc. Por sua vez, a criança cigana vai experimentar alguns conflitos, uma vez que desconhece, não compreende e não está sociabilizado com as rotinas escolares – dificuldades na aceitação dos professores como figuras de autoridade, por exemplo –, visto que é sociabilizada em família, num contexto de liberdade, de espontaneidade e de improviso e apenas respeitam a hierarquia familiar.
Na escola, a criança cigana experimenta conflitualidade, tanto com outras crianças não-ciganas, como com os professores e até com o pessoal auxiliar de acção educativa, expressando-se, muitas vezes, através da agressividade verbal, física ou violência simbólica. Experimenta viver uma cultura diferente da sua. A sua língua, os seus hábitos, os seus costumes e tradições são considerados marginais, são estigmatizados e não são tomados em conta nas aprendizagens que realiza. O absentismo escolar pode justificar-se pelo receio de fazer frente a um meio hostil.
A educação da criança cigana, gira em torno da família, onde os fracassos e os insucessos são vividos como experiências a serem incorporadas nos seus saberes. A família encontra-se sempre presente, transmitindo-lhe segurança e bem-estar. As crianças e os adultos vivem, trabalham e sofrem juntos. As crianças aprendem por interacção com a família. A educação é permanente, o que significa que para os ciganos não existem momentos para aprender, para brincar ou trabalhar. A criança cigana é iniciada nos processos de sociabilização através da sua mãe que lhe transmite valores éticos e culturais que são a essência universal da sua qualidade de cigano.
As famílias e as crianças ciganas, na escola, defrontam-se com uma realidade diferente com ritmos e horários diferentes. Deparam-se com uma disciplina escolar, com professores e programas alheios a eles próprios, actividade lúdicas que nada têm a ver com as brincadeiras que costumam fazer e um vocabulário que não dominam.
A distância a que fica muitas vezes a escola e a falta de transportes reforça, muitas vezes, a fraca disposição para a escola. A todos estes obstáculos, juntam-se as questões culturais difíceis de ultrapassar, tais como a educação baseada na oralidade e a inexistência de contactos com livros.
As famílias ciganas desconfiam da escola e da sua função educativa que pode ser destrutiva para a sua cultura. A cultura cigana não admite a escrita – agrafa – sendo o conhecimento transmitido oralmente no contexto familiar, ao contrário do que acontece na instituição escolar, em que o saber assenta fundamentalmente na transmissão escrita. Assim, a criança cigana é, muitas vezes considerada inadaptada e oferece resistência no contexto da escolarização à aprendizagem autoritária de um saber transmitido por uma pessoa estranha à família.